Como já vimos, a Colecistite Aguda é uma das doenças mais comuns que encontramos no pronto-socorro. Ainda assim, não são todos que conhecem a fundo como indicar o melhor tratamento para o paciente. Se você não quer estar nesse grupo de pessoas, continue lendo este texto!
"Ora, mas não tem que operar?" SIM, na grande maioria das vezes! Mas vale ressaltar que em casos selecionados a cirurgia pode não ser a opção mais adequada, pelo menos na fase aguda. Ainda, algumas etapas do tratamento também são muito importantes, apesar de frequentemente negligenciadas.
Elaboramos um texto para que você não esqueça nenhuma etapa importante da decisão terapêutica para seus pacientes com Colecistite Aguda. Mas se você ainda está na dúvida sobre as etapas diagnósticas dessa doença, leia 3 Passos Essenciais para a Avaliação de uma Colecistite Aguda antes de continuar aqui...
1. Hidratação
Muitos pacientes podem se apresentar desidratados e com distúrbios hidroeletrolíticos relacionados ao processo inflamatório. Avalie criteriosamente e introduza hidratação e reposição de eletrólitos de forma individualizada
2. Analgesia
Cada paciente tem um limiar de dor diferente. Seja preciso na indicação de analgesia: utilize uma escala objetiva de dor (por exemplo, a numérica) para que outros colegas possam comparar as avaliações. O controle da dor aguda deve ser rigoroso. Não existe aquela história de "ah, colecistite dói mas nem tanto...": ofereça para o paciente o necessário para cessar a dor. Isso melhora a resposta metabólica e imunológica e vai fazer com que seu paciente te adore logo de cara!
3. Antibioticoterapia
Antibióticos devem ser usados de forma criteriosa. De acordo com os guidelines de Tokyo 2018, todo paciente com diagnóstico de Colecistite Aguda deve receber antibióticos. Na grande maioria dos casos, a cobertura para gram negativo da comunidade é suficiente. Tradicionalmente associa-se cobertura para anaeróbios. Para casos selecionados, essa cobertura deve ser individualizada com outros antibióticos.
4. Operar, drenar ou tratar só com antibióticos?
Colecistite Aguda Leve (I): deve ser tratada com colecistectomia videolaparoscópica, desde que o Charlson's Comorbidity index e ASA score sejam favoráveis. Caso contrário (CCI ≥6 ou ASA≥3), o tratamento deve se resumir a antibioticoterapia e, após estabilização clínica, pondera-se a cirurgia (veja um fluxograma simplificado).
Colecistite Aguda Moderada (II): deve ser tratada inicialmente com antibioticoterapia e suporte clínico. Caso haja melhora dos parâmetros inflamatórios, advoga-se colecistectomia videolaparoscópica em centro de excelência, desde que o Charlson's Comorbidity index e ASA sejam favoráveis. Caso contrário (CCI ≥6 ou ASA≥3), o tratamento cirúrgico deve ser postergado. Caso haja piora dos parâmetros inflamatórios a despeito das medidas clínicas, preconiza-se colecistostomia percutânea. Ressalta-se o emprego de colecistectomia subtotal nos casos em que a inflamação intensa impossibilite a obtenção da visão crítica de segurança (saiba mais sobre isso aqui e no vídeo abaixo. E veja um fluxograma simplificado)
Colecistite Aguda Grave ( III): deve ser tratada inicialmente com correção hidroeletrolítica, suporte respiratório, renal e hemodinâmico. Desde que não haja fatores preditivos negativos (icterícia com bilirrubina total ≥ 2 mg/dL, disfunção neurológica ou insuficiência respiratória) e se consiga compensação clínica (reversão da insuficiência renal ou hemodinâmica), deve-se proceder a colecistectomia videolaparoscópica em centro de excelência, e ainda sim, desde que o Charlson's Comorbidity index e ASA sejam favoráveis (CCI > 4 ou ASA > 3). Caso contrário, o tratamento deve se resumir a antibioticoterapia e, em grande parte dos casos, colecistostomia (veja um fluxograma simplificado).
É muito importante que alguns cuidados devam ser tomados no pré-operatório de uma colecistectomia por Colecistite Aguda. Se você ainda não conhece os principais, veja 5 Erros Comuns no Pré-operatório de uma Colecistite Aguda.
A colecistectomia deve ser realizada precocemente (dentro de 3 dias do início
dos sintomas) por estar relacionada com menor taxa de mortalidade e taxa de
lesão de via biliar. Isso não quer dizer que após 72h a cirurgia deve ser contraindicada, hein? Já existem trabalhos mostrando que é melhor operar após 72h do que tratar clinicamente, na grande maioria dos casos. A via de acesso preferencial é laparoscópica, por estar associada a menor
tempo de internação e dor pós-operatória.
Já em pacientes com colecistostomia, a colecistectomia deve ser retardada
para 4-8 semanas, por apresentar menor taxa de complicações intra-operatórias e menos complicações relacionadas ao dreno (quando percutânea).
Aproveita para conferir um dos nossos episódios sobre colecistite aguda no Mania de Cirurgia!
Fluxograma Colecistite Aguda Grau I
Fluxograma Colecistite Aguda Grau II
Fluxograma Colecistite Aguda Grau III
REFERÊNCIAS
Okamoto K, Suzuki K, Takada T, Strasberg SM, Asbun HJ et al. Tokyo Guidelines 2018: flowchart for the management of acute cholecystitis. Hepatobiliary Pancreat Sci. 2018 Jan;25(1):55-72.
Yokoe M, Hata J, Takada T, Strasberg SM, Asbun HJ et al. Tokyo Guidelines 2018: diagnostic criteria and severity grading of acute cholecystitis (with videos). Hepatobiliary Pancreat Sci. 2018 Jan;25(1):41-54.
Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis 1987;40(5):373-83.
Woodward SG, Rios-Diaz AJ, Zheng R, McPartland C, Tholey R et al. Finding the Most Favorable Timing for Cholecystectomy after Percutaneous Cholecystostomy Tube Placement: An Analysis of Institutional and National Data. J Am Coll Surg 2021 Jan;232(1):55-64
Sobre os autores
O Dr. Adriano Pflug e o Dr. Carlos Menegozzo são Médicos Assistentes da Disciplina de Cirurgia Geral e Trauma do HCFMUSP e atuam com Ensino Médico de alunos da graduação e de residentes de cirurgia diariamente há vários anos.
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