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A "Regra dos 300ml" no Tratamento do Hemotórax Traumático

Atualizado: 2 de dez.


Hemotórax: o tamanho do problema


O hemotórax é uma das situações mais frequentes encontradas nos pacientes vítimas de trauma torácico.


Estima-se que ocorram anualmente cerca de 300.000 casos de hemotórax traumático (HTX) nos Estados Unidos, com o trauma contuso sendo responsável por cerca de 70% dos casos. O HTX não tratado está associado a significativa morbidade pulmonar, incluindo hemotórax retido, empiema, insuficiência respiratória e necessidade de intervenção cirúrgica.


As diretrizes atuais recomendam a drenagem torácica (DT) para o manejo de HTX. No entanto, a DT possui uma alta taxa de complicações, atingindo até 21%. Em certos casos, a DT pode aumentar o risco de complicações pulmonares mais do que o HTX não tratado.


Dessa forma, os cirurgiões buscam entender melhor quem é o paciente que de fato necessita da drenagem de tórax para tratamento do hemotórax traumático, com o intuito de reduzir o risco de complicações e de aumentar a segurança do atendimento.



Você drena todos os casos de hemotórax traumático?

  • Sim, independente do volume

  • Só se o paciente estiver instável

  • Não, depende do volume e da estabilidade



A regra dos 300ml para o hemotórax traumático:


Alguns estudos sugerem que, em pacientes selecionados, o volume do hemotórax traumático pode ajudar a tomar essa decisão. Isso porque existe certa evidência mostrando que não há aumento de morbidade nos pacientes com um volume de hemotórax traumático menor que 300ml quando submetidos a um tratamento sem a drenagem de tórax.


Mas como saber qual o volume do hemotórax antes de drená-lo? Existem diversas maneiras para quantificar o voliume de líquido na cavidade pleural. Uma delas é usar a fórmula de Mergo. Para aplicá-la você precisa calcular a "profundidade" (maior comprimento antero-posterior no corte axial da tomografia de tórax) e a "extensão" do derrame (maior comprimento crânio-caudal no corte coronal ou na reconstrução 3D).


Segundo Mergo, V = d² x L (V: volume; d: profundidade; L: extensão).


A drenagem de tórax possui uma alta taxa de complicações, atingindo até 21% em alguns estudos.

 

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O estudo


Um estudo recente avaliou os resultados da abordagem de pacientes com hemotórax traumático após a instituição de uma diretriz que sugere tratar pacientes estáveis com hemotórax traumático de forma conservadora, ou seja, sem a drenagem de tórax.


Esse estudo é uma revisão retrospectiva de centro único envolvendo pacientes adultos hemodinamicamente estáveis, admitidos com HTX confirmado por tomografia antes (2015-2016) e após (2018-2019) a implementação da diretriz de 300 mL. Pacientes admitidos durante 2017 foram excluídos para permitir uma janela de implementação da diretriz. Critérios adicionais de exclusão incluíram idade <18 anos, drenagem de tórax antes da tomografia, ausência de tomografia, óbito dentro de 5 dias após a admissão e pneumotórax concomitante >20mm.


O volume de HTX foi calculado usando a fórmula de Mergo. Os dados coletados incluíram demografia, escores de gravidade de lesão na admissão, sinais vitais, achados de imagem na admissão (incluindo pneumotórax concomitante, tamanho do pneumotórax, volume de HTX, número de fraturas de costela ipsilateral, contusão pulmonar concomitante, lesão diafragmática), comorbidades, complicações hospitalares e estado de alta. O desfecho primário foi a falha na observação, definida como a necessidade de drenagem de tórax, cirurgia toracoscópica assistida por vídeo (VATS), toracotomia após um período inicial de observação (>4 horas após a tomografia) devido à piora das imagens ou dos sintomas.


cirurgião analisando uma tomografia de tórax

Resultados do estudo


Um total de 357 pacientes atenderam aos critérios de inclusão, dos quais 210 foram admitidos após a implementação da diretriz. A mediana da idade dos pacientes foi de 51 anos, com 74% sendo do sexo masculino. A maioria das lesões foi causada por trauma contuso (88%). Não houve diferenças significativas nas características demográficas ou de comorbidades entre os grupos. Após a implementação da diretriz, a taxa de observação aumentou significativamente de 59% para 75% (p<0.001) e a colocação de DT diminuiu de 57% para 42% (p<0.001).


A duração da internação hospitalar reduziu de uma mediana de 8 dias para 6 dias (p=0.02), e a internação na UTI reduziu de uma mediana de 3 dias para 2 dias (p=0.04). Não houve diferenças significativas nas taxas de falha na observação (23% vs 28%), complicações pulmonares (24% vs 14%), readmissão em 30 dias (7% vs 8%) ou mortalidade em 30 dias (5% vs 2%). A razão mais comum para a falha na observação foi a progressão do HTX na CXR (67%), seguida pela piora do pneumotórax na CXR (16%).


Dos 68 pacientes que falharam na observação, 45 (67%) necessitaram de drenagem devido à progressão do HTX, e 11 (16%) devido à piora do pneumotórax, conforme identificado na CXR. Outros motivos incluíram necessidade de fixação de costelas (7%) e causas desconhecidas (9%). A análise multivariada indicou que a presença de pneumotórax concomitante, tórax flácido, ventilação mecânica prolongada e volume de HTX >300 mL eram preditores independentes de falha na observação.


Discussão do estudo


A implementação da diretriz de 300 mL resultou em uma diminuição significativa na colocação de DT sem aumentar as taxas de falha na observação ou complicações. Este estudo apoia a observação segura e eficaz de HTX traumático pequeno em pacientes hemodinamicamente estáveis, facilitando a tomada de decisão clínica no manejo de HTX traumático. A redução na duração das internações hospitalar e na UTI sugere uma utilização mais eficiente dos recursos e a prevenção de procedimentos desnecessários.


No entanto, os autores alertam para as limitações do estudo. A natureza retrospectiva do estudo aumenta o risco de viés de seleção e confusão. A razão para a falha na observação e a subsequente necessidade de DT não pôde ser determinada em alguns pacientes devido à falta de documentação. O tamanho relativamente pequeno da amostra pode ter impedido a detecção de diferenças em certos desfechos, como complicações pulmonares. Estudos prospectivos adicionais são necessários para validar um ponto de corte seguro para a observação de HTX traumático e para avaliar a relação custo-benefício do uso de CT em trauma torácico em comparação com a colocação imediata de DT, especialmente em países de baixa e média renda.


Em conclusão


A definição de um ponto de corte de 300ml para o tratamento conservador de pacientes estáveis com hemotórax traumático parece ser promissor. A ausência de estudos prospectivos aplicando a regra dos 300ml limita a difusão do conceito e de sua aplicação de uma forma mais abrangente. Mesmo assim, devemos reconhecer a contribuição desse grupo adicionando um estudo bem interessante sobre o hemotórax traumático e abrindo mais espaço para novos estudos sobre o tema.


 

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Referências


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  2. Wells BJ, Roberts DJ, Grondin S, et al. To drain or not to drain? Predictors of tube thoracostomy insertion and outcomes associated with drainage of traumatic hemothoraces. Injury. 2015;46(9):1743-1748.

  3. Kugler NW, Carver TW, Milia D, Paul JS. Thoracic irrigation prevents retained hemothorax: A prospective propensity scored analysis. J Trauma Acute Care Surg. 2017;83(6):1136-1141.

  4. Mowery NT, Gunter OL, Collier BR, et al. Practice management guidelines for management of hemothorax and occult pneumothorax. J Trauma. 2011;70(2):510-518.

  5. Bou Zein Eddine S, Boyle KA, Dodgion CM, et al. Observing pneumothoraces: The 35-millimeter rule is safe for both blunt and penetrating chest trauma. J Trauma Acute Care Surg. 2019;86(4):557-564.

  6. Demetri L, Martinez Aguilar MM, Bohnen JD, et al. Is observation for traumatic hemothorax safe? J Trauma Acute Care Surg. 2018;84(3):454-458.

  7. Mergo PJ, Helmberger T, Didovic J, Cernigliaro J, Ros PR, Staab EV. New formula for quantification of pleural effusions from computed tomography. J Thorac Imaging . 1999 Apr;14(2):122-5.  doi: 10.1097/00005382-199904000-00011.

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