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Por que esse assunto é importante?
Os traumatismos cranioencefálicos (TCE) representam um fator de risco significativo e independente para o desenvolvimento de tromboembolismo venoso (TEV) após um trauma.
Estudos revelam que a incidência de TEV em pacientes com TCE varia de 20% a 54%, dependendo do estudo e das características específicas da lesão. A fisiopatologia por trás do TEV no TCE é multifatorial e apenas parcialmente compreendida até o momento.
Estudos de autópsia em pacientes traumatizados relataram a embolia pulmonar (EP) como a terceira principal causa de morte após 72 horas.
Existem diversos fatores que contribuem para o desenvolvimento do TEV nos pacientes com TCE, entre eles:
Imobilização: pacientes com TCE frequentemente permanecem imobilizados por um tempo, devido a lesões associadas ou à sedação necessária. Isso resulta em estase venosa e em formação de coágulos.
Inflamação: a resposta inflamatória sistêmica pós-trauma, que envolve alterações na função de coagulação, frequentemente resulta em um estado pró-trombótico, criando um ambiente propício para a formação de TEV.
Demora para iniciar a profilaxia medicamentosa: a profilaxia para TEV com medicamentos anticoagulantes, como heparina não fracionada (HNF) e heparina de baixo peso molecular (HBPM), é frequentemente adiada ou até mesmo evitada em pacientes com hemorragia intracraniana (HIC) devido ao receio de progressão da hemorragia, complicações neurológicas associadas ou necessidade de intervenção cirúrgica. Além disso, esses pacientes frequentemente apresentam lesões em outros sistemas e órgãos, e há receio de sangramentos extra-cranianos após início da profilaxia.
TEV engloba qualquer evento trombótico ou embólico, e tanto a trombose venosa profunda (TVP) quanto a embolia pulmonar (EP) podem levar a consequências sérias. A embolia pulmonar (EP) ou a formação de trombose pulmonar primária (TP) pode resultar em morbidade significativa ou até mesmo em morte. Além disso, a síndrome pós-trombótica pode afetar a qualidade de vida a longo prazo.
A administração oportuna da profilaxia para TEV (PTEV) demonstrou reduzir significativamente as taxas de TEV, sendo a administração tardia um fator de risco modificável importante para o TEV. No entanto, o momento ideal de início da profilaxia para pacientes com TCE grave permanece uma área de debate significativo, com ampla variação na prática clínica.
Então, quando devo iniciar a anticoagulação profilática?
Um estudo publicado em 2023 na revista Journal of Trauma and Acute Care Surgery analisou essa dúvida. Esse estudo utilizou dados da "Consortium of Leaders in Traumatic Thromboembolism (CLOTT)", um estudo observacional prospectivo multicêntrico que incluiu 7.880 pacientes de 17 centros de trauma de nível 1 nos Estados Unidos. Os pacientes incluídos tinham idade 18-40 anos (por conta do cenário de serviço militar do estudo) e pelo menos um fator de risco conhecido para TEV como fratura pélvica, fratura em membro inferior acima do tornozelo, lesão na cabeça/tórax/abdômen com escore de Lesão Abrangente (AIS) de 3 ou mais, necessidade de suporte ventilatório por 3 dias, choque na admissão, lesão na medula espinhal, lesão importante em veia ou necessidade de operações importantes no dia da admissão.
Dentro desse "pool" de quase 8000 pacientes, Wu e colegas selecionaram aqueles com AIS > 3 no segmento cranioencefálico, que permaneceram internados por mais de 3 dias, e que não receberam profilaxia para TEV nas primeiras 24h devido a lesões intracranianas ou que foram submetidos a um procedimento neurocírugico. Esse critério de inclusão objetivava identificar pacientes com lesões intracranianas sérias.
Esse estudo incluiu 881 pacientes, a maioria vítima de mecanismos de lesão contusa (91,8%), com um escore de gravidade de lesões median de 26. Os pacientes incluídos foram subdivididos em dois grupos, com base no período de início da profilaxia para TEV. O grupo de início precoce (<48 horas) representou 42,9% dos pacientes. No grupo de início tardio (> 48 horas) a mediana de início foi quarto dia (3 - 5).
A incidência de TVP foi
significativamente
maior no grupo PTEV >48 horas, assim como a incidência geral de TEV. Não houve diferença entre os grupos no que diz respeito a progressão da hemorragia intracraniana ou complicações hemorrágicas extracranianas. Esse estudo observou um resultado melhor com o uso de enoxaparina quando comparado a heparina não fracionada.
Cada dia adicional sem anticoagulação profilática resultou em um aumento de 6% do risco de desenvolvimento de TEV.
Limitações do estudo:
Grupos distintos: os pacientes com início tardio da profilaxia de TEV (>48 horas) apresentaram maior gravidade de lesões, maior necessidade de intervenções neurocirúrgicas e ventilação mecânica mais prolongada.
População específica: o estudo incluiu apenas pacientes jovens (18 a 40 anos), não sendo possível generalizar os resultados para outras populações.
Tipo de estudo: Trata-se de uma análise secundária de um estudo observacional com todos os viéses inerentes a esse tipo de estudo.
Não há detalhes das tomografias nem das lesões intracranianas identificadas.
Conclusão:
Este estudo é uma das poucas análises prospectivas da associação entre profilaxia de TEV e desfechos trombóticos em pacientes com TCE, proveniente de um banco de dados especificamente projetado para capturar dados relacionados a complicações trombóticas e práticas de profilaxia pós-traumática.
Embora o início precoce da profilaxia tenha demonstrado benefícios na redução de TEV, a determinação do momento exato da administração e a seleção dos pacientes ideais para esta intervenção continuam sendo desafios clínicos. Ainda, não sabe ao certo qual o tipo ideal de profilaxia nem as doses específicas, o que também deve ser mais explorado em estudos futuros.
Apesar das limitações, este estudo demonstra que o início de profilaxia medicamentosa para TEV nas primeiras 48h do trauma parece reduzir a incidência de eventos tromboembólicos sem aumentar o risco de sangramento ou de progressão da lesão intracraniana, mesmo em pacientes com lesões graves (AIS 3 - 5).