Introdução e Epidemiologia
Os dois termos são usados para descrever uma situação em que há rotura da linha de sutura da aponeurose. A diferença prática encontra-se nas camadas da rotura. Enquanto eventração é o termo usado para descrever uma deiscência profunda da ferida operatória (aponeurose) com integridade das suturas superficiais (pele e/ou subcutâneo), evisceração refere-se a uma deiscência completa, de todas as camadas, resultando em exposição das vísceras abdominais para o ambiente externo.
A deiscência da parede abdominal pós-operatória é uma complicação cirúrgica rara, mas grave, que envolve a saída de órgãos abdominais através de uma deiscência da ferida cirúrgica. A incidência de evisceraçãoe pós-operatória varia na literatura, mas estudos indicam que ocorre em aproximadamente 0,5% a 3% das laparotomias. A eventração e a hérnia incisional ocorrem com frequência maior, podendo chegar a mais de 20% em pacientes de alto risco.
A deiscência da parede abdominal é mais frequentemente observada em pacientes do sexo masculino, com uma média de idade variando entre 28 e 32 anos, conforme relatado em estudos de trauma abdominal.
A mortalidade associada à evisceração pós-operatória pode ser significativa, variando de 2% a 21%, dependendo da gravidade das lesões associadas e da presença de complicações como infecção e sepse.
Fatores de Risco para Evisceração e Eventração
Os principais fatores de risco associados à evisceração abdominal pós-operatória incluem uma combinação de comorbidades do paciente, fatores relacionados à técnica cirúrgica e condições intraoperatórias e pós-operatórias. A literatura médica identifica os seguintes fatores de risco:
1. Infecção do Sítio Cirúrgico (SSI): A infecção da ferida é um dos fatores de risco mais significativos para a evisceração, com um odds ratio (OR) de 8.55.
2. Diabetes Mellitus: Pacientes diabéticos apresentam um risco aumentado de complicações na cicatrização de feridas, com um OR de 6.68.
3. Tabagismo: O tabagismo compromete a cicatrização de feridas e está associado a um aumento do risco de evisceração, com um OR de 3.93.
4. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC): Pacientes com DPOC têm um risco aumentado de complicações pós-operatórias, incluindo evisceração, com um hazard ratio (HR) de 2.35.
5. Obesidade: A obesidade é um fator de risco significativo, com um HR de 1.74. O índice de massa corporal (IMC) elevado está associado a uma maior incidência de complicações pós-operatórias.
6. Imunossupressão: Pacientes em uso de medicamentos imunossupressores têm um risco aumentado de evisceração, com um OR de 2.5.
7. Idade Avançada: Pacientes idosos têm um risco aumentado de complicações pós-operatórias.
Escore de Risco para Evisceração e Eventração
Apesar de sabermos quais são os fatores de risco, é importante tentar quantificar, de forma objetiva, qual o impacto real desses fatores no risco pós-operatório de evisceração
Van Ramshorst et al. publicaram um artigo com o desenvolvimento e a validação de um escore de risco incluindo diversas variáveis. A validação do modelo mostrou que os escores de risco eram significativamente mais altos em pacientes que desenvolveram deiscência da parede abdominal em comparação com aqueles que não desenvolveram, com o risco aumentando exponencialmente de 0,02% a 70,1% ao longo da faixa de escores.
Prevenção de Evisceração e Eventração e de Hérnia Incisional
Para prevenir a evisceração após uma laparotomia mediana, especialmente em pacientes com fatores de risco como infecção, diabetes e obesidade, várias estratégias intraoperatórias podem ser implementadas com base nas diretrizes e evidências mais recentes.
1. Técnica de Sutura:
Sutura contínua utilizando a técnica de "small bites" com sutura monofilamentar de absorção lenta é recomendada. Esta abordagem tem demonstrado reduzir a incidência de complicações na cicatrização da ferida, incluindo a deiscência.
Estudos mostrando que uma sutura de reforço da linha de tensão (Reinfroced Tension-line suture) pode reduzir significativamente a incidência de evisceração e de hérna incisional em até 1 ano.
Um ensaio clínico randomizado de não-inferioridade comparou essa técnica com a colocação de telas profiláticas, observando que a técnica de sutura é não inferior e, portanto, uma alternativa segura para o uso de telas.
Confira nosso post no instagram sobre esse ECR que comparou a sutura RTL com tela profilática.
2. Fatores relacionados à incisão cirúrgica:
minimização do comprimento da incisão: quanto maior a incisão, maior o risco!
redução da contaminação: sabidamente, há maior risco de deiscência da parede abdominal nos pacientes que apresentam infecções abdominais e da ferida cirúrgica.
uso de técnicas assépticas rigorosas: estudos apontam que a troca de luvas e a utilização de um novo conjunto de materiais estéreis pode resultar em menor risco de infecção de sítio círurgico.
Em pacientes obesos, a atenção especial deve ser dada para evitar grandes incisões e garantir uma adequada hemostasia.
3. Uso de Tela Profilática: Em pacientes de alto risco, como aqueles com obesidade ou diabetes, o uso de tela profilática pode ser considerado para reforçar a parede abdominal e reduzir o risco de evisceração. Estudos mostram que o uso dessas telas pode reduzir o risco de evisceração e eventração e de hérnia incisional no pós-operatório tanto de cirurgia eletivas como de urgência.
Um ensaio clínico randomizado de não-inferioridade comparou essa sutura RTL com a colocação de telas profiláticas, observando que a técnica de sutura é não inferior e, portanto, uma alternativa segura para o uso de telas.
Confira a apresentação do Mesh-RTL Project realizado no congresso da SAGES feita pelo autor principal do estudo.
4. Antibioticoprofilaxia: A administração adequada de antibióticos profiláticos é essencial para prevenir infecções do sítio cirúrgico. A escolha do antibiótico deve ser baseada no tipo de cirurgia e nos patógenos mais prováveis.
5. Controle Glicêmico: Em pacientes diabéticos, o controle rigoroso da glicemia intraoperatória é fundamental para melhorar a cicatrização da ferida e reduzir o risco de infecção. A hiperglicemia é um fator de risco conhecido para complicações na cicatrização.
REFERÊNCIAS
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The American Surgeon. 2014;80(10):984-8. doi:10.1177/000313481408001016.
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