top of page

Hérnia Incisional: quais os principais cuidados perioperatórios?

Atualizado: 25 de nov. de 2023

Você pode "ouvir" o conteúdo deste artigo na íntegra!


INTRODUÇÃO:

Conteúdo da hérnia incisional
Hernioplastia incisional

A incidência de hérnia incisional varia entre 9-20% de todas as cirurgias. Sua etiologia é multifatorial e envolve aspectos do próprio paciente (doenças, hábitos e estado nutricional), da doença atual e da técnica cirúrgica. Há divergências sobre qual melhor método de correção, indicações, tipos e posicionamento da tela em situação de urgência, e até mesmo sobre os cuidados perioperatórios. Neste artigo faremos a síntese das recomendações mais consistentes sobre a hernioplastia incisional.


DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO:


A classificação mais utilizada na literatura para descrever as hérnias incisionais é da Sociedade Européia de Hérnias, uma das instituições internacionais mais respeitadas sobre o assunto. Eles publicaram essa classificação na revista Hernia em 2009. Definiu-se hérnia incisional como "qualquer falha aponeurótica, com ou sem abaulamento, localizada na região de uma cicatriz prévia, identificada por exame físico ou métodos de imagem", conforme proposto por Korenkov em 2001. Após uma revisão das classificações existentes e de reuniões entre especialistas, o grupo determinou que a classificação seria baseada em 3 critérios: localização, tamanho e recorrência. As hérnias podem ser mediais (linha média) ou laterais. As da linha média são classificadas em 5 localizações (subxifoídea, epigástrica, umbilical, inframumbilical ou suprapubica - vide figura no post), ao passo que as laterais, em quatro (subcostal, flanco, ilíacas e lombares - vide figura no post). Em seguida, as hérnias são classificadas de acordo com sua largura em W1 < 4cm, W2 >4 - 10cm e W3 > 10cm. Essa classificação é útil porque favorece a padronização das hérnias, facilita a comunicação entre cirurgiões, viabiliza comparações em estudos e ajuda a agrupar os casos mais difíceis.


Classificação das hérnias incisionais de acordo com a European Hernai Society
Classificação das hérnias incisionais de acordo com a European Hernai Society

CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS

Deve-se evitar cirurgia eletiva em tabagistas ou ao menos suspender o uso no mínimo por 4 semanas antes da cirurgia (idealmente 8 semanas). Pacientes com IMC > 30 kg/m 2 devem ser inseridos em programas pré-operatórios de emagrecimento, inclusive cirúrgico, principalmente se IMC > 50 kg/m 2 . Em pacientes desnutridos, preconiza-se uso de suplemento proteico. Em diabéticos, o ideal é que HbA1C esteja < 8%.


Compressor pneumático para prevenção de trombose
Pré-operatório hérnia incisional

Recomenda-se o uso de meias elásticas antitrombóticas, de compressão entre 18- 23 mmHg, além de bota pneumática, se disponível. A anticoagulação profilática deve ser recomendada de acordo com a pontuação em escalas de risco de trombose venosa.


Caso a relação volumétrica do saco herniário / cavidade abdominal seja >25% ou o defeito herniário >10 cm de diâmetro, trata-se de uma hérnia gigante. Essa condição exige um tratamento multidisciplinar mais complexo e técnicas mais avançadas de reconstrução de parede, deve ser conduzida em centros de referência. Pacientes com alto risco cirúrgico ou com hérnias complexas (ex.: perda dedomicilio), mas oligossintomáticos, podem ser conduzidos sem cirurgia.


DETALHES TÉCNICOS


Sutura contínua aproximando as bordas dos músculos reto abdominais na linha média
Aproximação do músculo reto abdominal

A aproximação do músculo reto abdominal na linha mediana, mesmo que através de separação de componentes (desde que com preservação dos vasos perfurantes), seguida do fechamento primário da aponeurose, é recomendado de rotina. O fechamento deve ser feito através de sutura contínua com fio absorvível de longa duração. A distância entre os pontos e entre a borda aponeurótica deve ser entre 0,5 - 0,8cm, mantendo assim uma relação do comprimento do fio/ferida de 4:1. Nem sempre essa aproximação na linha média é fácil (aliás, é difícil na maioria dos casos!) e, por isso, o cirurgião deve conhecer técnicas que facilitem essa aproximaçao sem comprometer a integridade da parede abdominal. Citamos aqui algumas técnicas conhecidas:

Técnica de Chevrel para facilitar o fechamento da aponeurose na linha média
Técnica de Chevrel para facilitar o fechamento da aponeurose na linha média. Imagem obtida da publicação de Köckerling.

  • Separação de componentes anterior ou posterior

  • Incisões relaxadoras (de Gibson)

  • Alcino Lázaro (TRANSPALB - transposição peritônio-aponeurótica longitudinal bilateral)

  • Chevrel

  • Cattell


Técnica de Alcino Lázaro que ficou conhecida como TRANSPALB
Técnica de Alcino Lázaro que ficou conhecida como TRANSPALB - imagem obtida da publicação de Melo RM.



Atualmente se recomenda rotineiramente o emprego de tela de polipropileno de médio peso em cirurgias independente do tamanho do defeito herniário, mesmo em situações de urgência com contaminação. Apesar da posição sublay (abaixo da fáscia aponeurótica) apresentar índices um pouco menores de complicação de ferida operatória, a posição onlay é mais rápida e fácil de aplicar. Nessa técnica, preconiza-se que a tela cubra um mínimo de 3 cm de margem perimetral (overlap) do defeito aponeurótico e que seja fixada amplamente com fio absorvível de poligalactina, no mínimo ao longo de toda sua borda. Recomendam-se fixações centrais da tela, reduzindo-se ao máximo o espaço morto entre a tela e aponeurose, fator esse que parece estar associado a maiores taxas de não incorporação e de infecção crônica de tela. Outras opções de posicionamento da tela são:

  • Inlay: retromuscular, em que a tela costuma ficar entre os músculos reto abdominais, superficialmente ao folheto posterior da aponeurose.

  • Sublay: pré-peritoneal, em que a tela fica superfical ao peritônio, técnica menos utilizada em cirurgias convencionais com defeitos aponeuróticos muito extensos.

  • Underlay: intraoperitoneal, em que se usa uma tela especial, com revestimento de um material (p.ex. celulose) que fica em contato com as alças intestinais e, teoricamente, não causa erosões ou aderências a elas.

Fixação de tela de polipropileno na posição onlay durante uma hernioplastia incisional
Hernioplastia incisional com tela em posição onlay

O acesso laparoscópico pode ser indicado em qualquer hérnia incisional. Deve-se proceder também ao fechamento primário da aponeurose. Caso a falha seja ampla e o fechamento não seja possível por vídeo (defeitos habitualmente >10 cm), a via aberta deve ser preferida. Na laparoscopia, a tela fica em posição intraperitonial, portanto seu material deve ser especial. Ela costuma ser fixada com grampos (tackers) separados por cerca de 1,5cm. A tela deve ter um overlap entre 3-5cm. Em alguns casos a tela pode ser colocada na posição sublay (pré-peritoneal).



A gente discute bastante as evidências para o fechamento da aponeurose em um episódio do nosso Podcast, o Mania de Cirurgia . Confira agora!



CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS

O descolamento pré-aponeurótico geralmente é drenado com dreno á vácuo, como Jackson Pratt ou Port-o-Vac. Não há um critério claro para retirada do dreno no pós- operatório, mas de maneira geral, recomenda-se retirada após débito inferior a 40 ml por dia, desde que aspecto seja seroso claro. O repouso deve ser relativo por 2 semanas, realizando apenas as atividades básicas

diárias. Após esse período, atividades profissionais que não demandam esforço abdominal podem ser liberadas. Após 4 semanas, atividades físicas podem ser reiniciadas, de maneira progressiva. O uso de cinta compressiva é recomendado pelo período de repouso relativo (2 semanas).


BIBLIOGRAFIA

1. Liang MK, Holihan JL, Itani K, Alawadi ZM, Gonzalez JR et al. Ventral Hernia Management: Expert Consensus Guided by Systematic Review. Ann Surg. 2017 Jan;265(1):80-89.

2. Consensos do XXXI Congresso Brasileiro de Cirurgia 2 a 5/08/2015, em Curitiba

(PR). Suplemento especial. ISSN ONLINE: 1809-4546.

3. Paasch C, Anders S, Strik MW. Postoperative-treatment following open incisional hernia repair: A survey and a review of literature. International Journal of Surgery 53 (2018) 320–325.

4. Birolini C, Miranda JS, Tanaka EY, Utiyama EM, Rasslan S, Birolini D. The use of synthetic mesh in contaminated and infected abdominal wall repairs: challenging the dogma - A long-term prospective clinical trial. Hernia 2020;24(2):307-323.

5. Westphalen AP, Araújo ACF, Zacharias P, E Rodrigues ES,  Fracaro GB et al. Repair of large incisional hernias. To drain or not to drain. Randomized clinical trial. Acta Cir Bras. 2015; 30 (12): 844-51

6. Melo RM. Reconstruindo a parede abdominal: o advento de uma técnica Rev. Col. Bras. Cir.2010(37);6:450-456

7. Köckerling F. What Do We Know About the Chevrel Technique in Ventral Incisional Hernia Repair? Front Surg 2019;6(15):DOI: 10.3389/fsurg.2019.00015.

8. Muysoms FE,Miserez M, Berrevoet F. Classification of primary and incisional abdominal wall hernias. Hernia 2009;13(4):407-414



Adriano Pflug
Adriano Pflug

Sobre o autor:


O Dr Adriano Pflug tem Doutorado pela FMUSP em Ensino Médico além de participar diariamente do desenvolvimento de médicos residentes e estudantes de medicina na Faculdade de Medicina da USP.




2.407 visualizações0 comentário

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page