Antes de tudo: Não confunda ruptura traumática com hérnia traumática!
A ruptura traumática da parede abdominal é a perda de solução de continuidade de ao menos uma de suas camadas, decorrente de um trauma com aumento súbito de pressão na parede abdominal. Devido à alta cinética envolvida, é comum a coexistência de lesões intra-abdominais ou fraturas.
As rupturas parciais em geral não causam hérnia, cuja definição é a protrusão do conteúdo abdominal ou gordura retroperitoneal através de uma ruptura miofascial, sem solução de continuidade com a pele.
O que é hérnia traumática? É a protrusão do conteúdo através de um anel miofascial oriundo de uma rotura traumática, sem exposição desse conteúdo pela pele. Nesse casos, caracterizaria uma evisceração traumática.
Perguntas comuns:
1. Há um mecanismo de trauma específico que propicie esse tipo de afecção?
Evento raro. O mecanismo de trauma mais típico é contusão direta abdominal, por exemplo pelo guidão de bicicleta ou pelo cinto de segurança em colisão automobilística de alta energia cinética.
2. A hérnia se forma no mesmo local do impacto?
A maior parte das hérnias não se forma no local do impacto, mas em zonas de fraqueza abdominal como inguinal, triângulos lombares e na área de Spiegel, ou ventrais próximos às inserções ósseas.
3. Há alguma classificação?
Várias, referentes a localização, intensidade do trauma dentre outras, mas a mais importante é a classificação de Dennis:
Grau I. Contusão no subcutâneo
Grau II. Hematoma muscular
Grau III. Ruptura completa de um músculo
Grau IV. Ruptura muscular completa sem herniação
Grau V. Ruptura muscular completa com herniação
Grau VI. Ruptura de todas as camadas da parede com evisceração.
4. Como se faz o diagnóstico?
O diagnóstico pode ser clínico quando o exame físico é exuberante como nos casos de evisceração ou herniação palpável. Entretanto, devido a estarem comumente associadas a rebaixamento do nível de consciência, hematomas, outras lesões e obesidade, o diagnóstico padrão-ouro é tomográfico.
5. E o tratamento?
O tratamento na fase aguda deve ser realizado quando há outra causa associada que justifique a exploração abdominal como suspeita de isquemia intestinal, lesão mesenterial, instabilidade hemodinâmica ou evisceração.
A taxa de recidiva, quando se opta pelo tratamento agudo, ultrapassa 40% dos casos, devido ao edema da parede e pela dificuldade do acesso imposta pela exploração mediana.
O tratamento de escolha deve ser postergado após 6-8 semanas, devido melhor delimitação do defeito, ausência de hematomas ou edema, menor taxa de infecção de sítio cirúrgico e possibilidade de melhor planejamento cirúrgico.
6. Quais os princípios do tratamento tardio?
1. Incisão localizada.
2. Avanço miofascial para fechamento do defeito
3. Separação de componentes da parede
4. Reforço double mesh: tela de polipropileno onlay (pré-aponeurótico) e sublay (pré-peritoneal)
5. Fixação da tela sublay com pontos em “U” absorvíveis, de modo que se obtenha uma margem (overlap) de tela além do defeito herniário, em todo seu perímetro.
6. Drenagem do espaço dissecado com dreno a vácuo.
PONTOS CHAVES:
- A hérnia traumática é a protrusão do conteúdo abdominal ou gordura retroperitoneal através de uma ruptura músculofacial, sem penetração na pele.
- De baixa prevalência, está associada a traumas de alta energia cinética ou muito concentrados no abdome.
- O diagnóstico e classificação é realizada por tomografia.
- O tratamento, sempre que possível, deve ser postergado por ao menos 6 semanas e envolve um conceito de separação de componentes, double mesh e incisão localizada sobre o defeito.
BIBLIOGRAFIA
1. Dennis RW, Marshall A, Deshmukh H, Bender JS, Kulvatunyou N, Lees JS, Albrecht RM. Abdominal wall injuries occurring after blunt trauma: incidence and grading system. Am J Surg. 2009 Mar;197(3):413-7.
2. Burt BM, Afifi HY, Wantz GE, Barie OS. Traumatic lumbar hernia: report of cases and comprehensive review of the literature..J Trauma. 2004 Dec;57(6):1361-70.
3. Miranda, Jocielle Santos de; Utiyama, Edivaldo Massazo. Hérnia traumática da parede abdominal. In: Samir Rasslan; Dario Birolini. (Org.). Atualização em Cirurgia Geral, Emergência e Trauma 4. 04ed.Barueri: Manole, 2010, v. 01, p. 114-128.
Comments