top of page

Hérnias: estes são os 8 epônimos que os seus colegas mais (des)conhecem...

Atualizado: 1 de nov. de 2023

Epônimos são muito frequentes na medicina e em outras áreas da saúde. É verdade que atualmente os alunos e residentes tem sido desencorajados a reconhecer os epônimos, substituindo-os pelos nomes das estruturas, das técnicas, etc.


Mas a verdade é a seguinte...


Tem duas coisas importantes que você precisa saber sobre epônimos:

  1. Eles AINDA são utilizados com muita frequência: é muito provável que você se depare com algum desses epônimos nas discussões de casos, nas trocas de experiências, etc

  2. As provas AINDA cobram epônimos: é bastante provável que, se você tem provas para fazer, você vai se deparar com algum desses em algum momento.

Portanto, é melhor você ler este post até o final! Para te ajudar, cada epônimo está dividido em 3 seções: introdução, diagnóstico e tratamento.


Aprenda todos os epônimos e saia esbanjando conhecimento para seus colegas!


1. Amyand

Trata-se de uma hérnia inguinal contendo o apêndice cecal. Classicamente foi descrito com a presença de apendicite aguda perfurada no saco herniário pelo cirurgião britânico Claudius Amyand em meados de 1730. São hérnias raras, com incidência de 1%. A apresentação é ainda menos frequente com apendicite aguda.

Podem ocorrer em qualquer idade e são mais frequentes em homens e à direita. Hérnias de Amyand à esquerda são muito raras e decorrem de defeitos de rotação do intestino.


Diagnóstico

Os sintomas costumam ser de dor periumbilical inespecífica em cólica ou em pontadas associado a um abaulamento da região inguinal, geralmente irredutível. A apendicite aguda pode ocorrer por estrangulamento do apendice cecal pelo anel herniário.

Os exames de imagem que mais auxiliam no diagnóstico são o ultrassom e a tomografia. Entretanto, muitas vezes o diagnóstico etiológico é feito apenas no intraoperatório.


Tratamento:

A decisão terapêutica nos casos de hérnia de Amyand devem incluir o tratamento da hérnia e do apêndice cecal. O tratamento da hérnia inguinal segue os mesmos princípios de um caso em que o apêndice não está no saco herniário. Há várias técnicas para a correção dessas hérnias (cirurgia aberta ou laparoscópica), sendo que atualmente o uso de telas é recomendado na maior parte dos casos, independente da técnica utilizada. A necessidade de apendicectomia ainda é discutida nos casos em que não há sinais de inflamação do apêndice, mas é mandatória diante de apendicite aguda. Alguns autores não favorecem o uso de telas nos casos de contaminação da região por apendicite aguda perfurada.


2. Garengeot

Trata-se de uma hérnia femoral contendo o apêndice cecal. Descrita em meados de 1730 por um cirurgião francês chamado Rene Jacques Croissant (parece piada, não?) Garengeot, essa hérnias tem incidência menor de que 1%. Casos com apendicite no interior são ainda mais raros. É mais comum em mulheres e a média de idade de apresentação é 60-70 anos.


Diagnóstico:

Os sintomas são semelhantes aos da hérnia de Amyand. A grande diferença está no exame físico, em que o abaulamento acima do ligamento inguinal sugere hérnia inguinal, e quando abaixo dele, sugere uma hérnia femoral.

Os exames de imagem que mais auxiliam no diagnóstico são o ultrassom e a tomografia. Grande parte das vezes, a presença do apêndice cecal na hérnia femoral só é confirmado no intraoperatório.


Tratamento:

À semelhanças das hérnias de Amyand, deve-se decidir as condutas em relação à hérnia e ao apêndice cecal. A hérnia femoral pode ser tratada por via aberta ou laparoscópica. Considera-se mandatório o uso de telas em praticamente todos os casos. A cirurgia aberta normalmente é feita pelas técnicas de Rives ou de plug femoral. Da mesma forma que nos casos de Amyand, a apendicectomia é discutida se não houver inflamação do apêndice, mas é mandatória diante de apendicite aguda. Alguns autores não favorecem o uso de telas na região femoral nos casos de contaminação.


Veja nosso post no instagram Epônimos de Hérnias mais (des)conhecidos

3. Landzert


Um epônimo de hérnia menos conhecido, trata-se da hérnia paraduodenal mais comum na literatura. Nessa situação, o intestino delgado (órgão mais acometido) passa pela fossa de Landzert, um defeito congênito presente em cerca de 2% da população e que fica entre a 4a porção duodenal (ligamento de Treitz) e a veia mesentérica inferior. Em uma revisão da literatura, observou-se que a média de idade ao diagnóstico era de 47 anos, com predomínio no sexo masculino.


Diagnóstico:

A sintomatologia principal decorre da obstrução intestinal. Cerca de 40% dos pacientes diagnosticados com hérnia de Landzert referiam episódios prévios de dor em cólica, o que deve chamar a atenção do médico.

Neste caso, o ultrassom tem um papel mais limitado. O melhor exame acaba sendo a tomografia, que pode identificar um segmento de alças dilatadas, com níveis hidroaereos, além de densificação mesentérica ou mesmo rotação de vasos.


Tratamento:

O tratamento cirúrgico se impõe e deve ser rápido. Nessas situações, o segmento intestinal herniado pode sofrer isquemia, necrose e até perfuração, situação que pode ser catastrófica para o paciente. O tratamento básico inclui a redução do conteúdo herniário seguido do fechamento do defeito, que pode ser feito apenas com sutura ou com uso de tela, conforme a literatura. A depender da expertise do cirurgião, o tratamento pode ser laparoscópico.


4. Richter


Descrita como um segmento intestinal encarcerado em um orifício herniário, independente da sua localização, feita primeiro por August Richter em 1773. São hérnias um pouco mais frequentes e podem representar até 10% dos casos de hérnia encarcerada. Ocorrem geralmente em pacientes mais idosos, mais frequentemente em hérnias femorais, inguinais e incisionais. Atualmente, com o crescimento da laparoscopia, as incisões de trocartes 10-20mm tem aumentado os casos de hérnias de Richter.


Diagnóstico:

O ileo distal é o segmento mais comumente acometido. Por se tratar de um encarceramento parcial da alça, geralmente da borda antimesentérica, há duas particularidades:

  1. Obstrução intestinal é rara e, portanto, os sintomas mais frequentes são de dor, abaulamento e, em casos mais avançados, hiperemia e sepse;

  2. Isquemia, necrose e perfuração são mais frequentes porque a constricção do anel se faz na porção menos vascularizada da alça intestinal;

O diagnóstico com exames de imagem é possível, geralmente com auxílio da tomografia ou do ultrassom. Entretanto, ressalta-se que, uma vez que o segmento encarcerado é pequeno, os sinais dos exames de imagem são mais sutis. É imprescindível que o cirurgião tenha um alto índice de suspeição clínica para esse diagnóstico. Muitas vezes é melhor indicar um procedimento cirúrgico diante dessa suspeita, devido ao alto risco de necrose intestinal.


Tratamento:

O tratamento pode ser feito pelas vias aberta ou laparoscópica. Nos casos de hérnia de Richter, a laparoscopia diagnóstica permite avaliar bem a viabilidade do segmento acometido. Em casos de necrose e perfuração, especialmente com peritonite, a cirurgia convencional pode ser necessária quando há menos expertise disponível ou quando as condições clínicas do paciente são ruins. Recomenda-se o uso de tela na correção do defeito herniário sempre que possível.


5. Spiegel


Descrita em 1764 por Klinkosch, é um tipo raro de hérnia (2% das hérnias de parede abdominal) que se desenvolve na linha semilunar, lateralmente ao músculo reto abdominal. Traçando-se uma linha horizontal imaginária na altura da cicatriz umbilical, essas hérnias se manifestam mais frequentemente abaixo dessa linha. Isso ocorre devido à fraqueza da parede abdominal nessa área.

Essas hérnias acometem homens e mulheres em frequência praticamente igual, entre a 4a e a 7a décadas de vida. Os fatores de risco incluem aumentos crônicos da pressão intrabdominal, doenças do colágeno e desnutrição.


Diagnóstico:

Não costuma ser fácil principalmente nas fases iniciais da doença, quando o abaulamento abdominal é pequeno. Clinicamente o paciente vai referir doe à palpação local. O abaulamento torna-se irredutível nos casos de encarceramento.

Tanto a ultrassonografia quanto a tomografia podem confirmar o diagnóstico de hérnia de Spiegel.


Tratamento:

O tratamento é cirúrgico e envolve a colocação de tela, seja por via laparoscópica ou por via aberta. Como os demais casos de hérnias (com seus epônimos), há risco de estrangulamento e complicações mais graves relacionadas à hérnia. Alguns autores consideram o uso de telas "em sanduíche", posicionando uma tela na região pré-aponeurótica e outra na pré-peritoneal. Em casos de contaminação, alguns autores optam por não utilizar telas.


6 e 7. Grynfelt e Petit


Esses epônimos remetem às hérnias lombares. A primeira a ser descrita foi a de Petit, definida por uma hérnia no trígono lombar inferior. Esse trígono é limitado pela crista ilíaca, pela aponeurose do obliquo externo e pela borda do músculo grande dorsal.

A hérnia de Grynfelt é caracterizada no trígono lombar superior, região limitada pelo músculo obliquo interno, pela sacroespinal e pela 12a costela. As hérnias lombares são mais frequentes no trígono superior.

A etiopatogenia dessas hérnias é multifatorial e inclui aspectos anatomicos congênitos e também adquiridos. Cerca de 80% dos casos está relacionado a alguma alteração adquirida como trauma, cirurgias prévias que resultaram eem denervação da musculatura, desnutrição, entre outros.


Diagnóstico:

Pode ser difícil, principalmente em pacientes obesos, porque a sintomatologia não costuma ser exuberante. Ainda, a incidência de encarceramento e estrangulamento dessas hérnias é baixa. Assim, o exame clínico nem sempre é confiável.

Os exames de imagem mais utilizados são a ultrassonografia e a tomografia. Esta tem um papel adicional na programação do tratamento, que na grande maioria é cirúrgico. Não é infrequente a presença de vísceras retroperitoneais no saco herniário como rim e cólon.


Tratamento:

Cirurgia de gente grande! Como toda hérnia que fica próxima de reparos ósseos, as hérnias de Petit e de Grynfelt requerem muita habilidade do cirurgião. A depender da maneira que forem tratadas, a taxa de recidiva pode ser elevada. O tratamento pode ser laparoscópico ou aberto, ressaltando-se a importância do posicionamento dos pacientes na mesa operatória. São hérnias posteriores e, portanto, o paciente deve ficar preferencialmente em decúbito lateral ou até um decúbito semi-ventral.


8. Littré


Descrita por Alexis Littré em 1700, trata-se de uma hérnia contendo um divertículo de Meckel (esse aí é um epônimo bem mais conhecido no meio médico!). Esse divertículo ocorre em 2-3% da população e é considerada a anomalia congênita mais comum do trato gastrointestinal. Ocorre geralmente no sexo masculino, mais frequentemente nas hérnias inguinais. Pode ocorrer também em hérnias femorais, umbilicais e incisionais.

É uma situação rara, representando cerca de 1% das complicações do divertículo de Meckel. Dessas, as mais frequentes são inflamação (diverticulite de Meckel) e sangramento (pela presença de mucosa ectópica em seu interior).


Diagnóstico:

O diagnóstico da hérnia não é muito complicado pois acomete regiões de fácil acesso ao exame clínico. O que é difícil é saber que a herniação contém um divertículo de Meckel! Muitas vezes isso só é observado no intraoperatório.

A ultrassonografia e a tomografia tem o mesmo papel que nos casos de hérnias inguinais, umbilicais, incisionais e femorais. Ou seja, fornecem o diagnóstico de hérnia, porém raramente identificam o divertículo no seu interior. Nos casos em que há diverticulite de Meckel associada, esse diagnóstico pode ser mais facilmente observado nos exames de imagem. Mesmo assim, essa constatação é rara no período pré-operatório.


Tratamento:

O princípio do tratamento da h;ernia de Littré é o mesmo já discutido anteriormente e depende basicamente da localização da hérnia. A particularidade do tratamento aqui decorre da avaliação do estado do divertículo. Quando há inflamação do divertículo associada, sua ressecção é recomendada (a literatura é controversa na decisão entre enterectomia segmentar ou diverticulectomia). Nos demais casos, deve-se pesar o risco/benefício da ressecção. Habitualmente, divertículos de Meckel identificados de forma acidental no intraoperatório não requerem tratamento cirúrgico, e essa prerrogativa pode ser seguida nos casos de hérnia de Littré.


Referências

  1. Miguel Passos Morgado, Repositório Universidade do Porto. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/53610/2/Hrnias%20raras%20da%20parede%20abdominal.pdf

  2. Fernandes et al. Hernia of Landzert: a Rare Cause of Intestinal Obstruction. J Gastr Surg 2022

  3. Al-Khyatt et al. Acute intestinal obstruction secondary to left paraduodenal hernia: A case report and literature review. WJES 2013

2.427 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios

Obtuvo 0 de 5 estrellas.
Aún no hay calificaciones

Agrega una calificación
bottom of page