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A condução de vítimas de trauma admitidos no serviço de emergência em parada cardíaca confirmada ou iminente é um desafio.
O objetivo deste texto é auxiliar o leitor na tomada de decisão durante o atendimento de pacientes vítimas de trauma que são admitidos no serviço de emergência em parada cardiorrespiratória ou em iminência de parada cardiorrespiratória.
Por seu prognóstico sombrio, esforços de reanimação nestes casos podem ser considerados fúteis. No entanto, com o aprimoramento dos serviços de APH e com o advento das medidas que englobam o conceito de damage control, alguns pacientes podem ser salvos.
Agora você deve estar pensando "ok, mas como?".
Bom... melhor continuar lendo este artigo.
O que está acontecendo?
Entenda bem:
os mecanismos fisiopatológicos que levam à parada cardíaca no trauma são diferentes dos mecanismos que provocam parada cardíaca por "causas clínicas".
Compreender esse conceito pode ser a única oportunidade de reverter a parada em pacientes politraumatizados.
Antes de discutirmos esse assunto, é importante dominar algumas definições:
Parada cardiorrespiratória: A parada cardiorrespiratória é definida como respiração agônica ou ausente, ausência de pulso carotídeo e rebaixamento de nível de consciência.
Iminência de parada cardíaca: deterioração do nível de consciência e hipotensão.
Sinais vitais: frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, temperatura, entre outros
Sinais de vida: atividade elétrica cardíaca, drive respiratório, reflexo pupilar, entre outros.
Todo paciente é candidato às manobras de ressuscitação?
Atualmente, consideram-se duas situações em que os esforços de ressuscitação podem ser considerados fúteis.
Pacientes com lesões incompatíveis com a vida: um dos melhores exemplos são os traumatismos cranioencefálicos gravíssimos, com perda de massa encefálica.
Também devem ser excluídos aqueles que se apresentam ao serviço de emergência sem sinais de vida há mais de 10-15 minutos.
Segundo a literatura, a maior parte das mortes decorrentes de trauma ocorrem nos primeiros 5 minutos que se sucedem ao evento. Neste grupo estão os pacientes nos quais a morte não pode ser evitada, apenas prevenida com medidas de saúde pública, como educação no trânsito, uso de equipamentos de proteção individual e coletiva, entre outros.
O tratamento mais efetivo do trauma é sua prevenção.
Dentre as mortes que podem ser prevenidas, as principais causas são:
Hemorragia (60%)
Pneumotórax hipertensivo (33%)
Tamponamento cardíaco (10%)
Obstrução de vias aéreas (7%)
Racionalmente, os esforços imediatos de Suporte Básico de Vida não são efetivos para reversão dessas causas de parada cardíaca, além de poderem contribuir para demora no início de medidas realmente efetivas, sendo considerados secundários neste contexto.
Temos um episódio sobre o tema no nosso PodCast, o Mania de Cirurgia!
Confira aqui!
O que fazer na parada cardíaca traumática?
Um protocolo de ressuscitação na parada cardíaca decorrente de trauma deve incluir esforços para identificar as causas tratáveis e as medidas adequadas passíveis de reverter a parada. São elas:
Controle de hemorragia: compressão local direta, aplicação de torniquete, estabilização da pelve, uso de dispositivos como REBOA, clampeamento de aorta por toracotomia, etc.
Restauração do volume intravascular: obtenção de acessos vasculares, transfusão maciça de hemocomponentes.
Manejo das vias aéreas: obtenção de uma via aérea definitiva
Toracostomia digital descompressiva
Se houver recursos suficientes (especialmente um time de trauma qualificado e em número suficiente), estas medidas podem ser adotadas rapidamente.
Resumindo:
Não ressuscite um paciente em parada cardíaca no trauma se não houver sinais de vida há mais de 10 minutos ou se houver lesões incompatíveis com a vida.
Mantenha em mente as prioridades: controle sangramentos e reponha volume. Abra as vias áreas. Descomprima o tórax e identifique/trate tamponamento cardíaco.
Compressões cardíacas externas podem ser realizadas, mas não podem atrasar o diagnóstico e o tratamento das prioridades nessa situação. Lembrar que compressões externas são fúteis se o coração estiver "vazio". Assim, diante de uma causa hipovolêmica, é imprescindível considerar a realização da toracotomia de reanimação preocemente.
BIBLIOGRAFIA
Kang et al. Sign of Life is Associated with Return of Spontaneous Circulation After Resuscitative Thoracotomy: Single Trauma Center Experience of Republic of Korea. World J Surg 2019. doi.org/10.1007/s00268-019-04939-7
Lott et al. European Resuscitation Council Guidelines 2021: Cardiac arrest in special circumstances. Resuscitation 2021;161:152-219
Seamon et al. An evidence-based approach to patient selection for emergency department thoracotomy: A practice management guideline from the Eastern Association for the Surgery of Trauma. J Trauma Acute Care Surg 2015;79(1):159-73
Sobre a autora:
Danila Gomes é Médica Assistente da Disciplina de Cirurgia Geral e Trauma do Hospital das Clínicas da FMUSP e tem participação ativa no atendimento e na condução das vítimas de trauma atendidas nesse hospital.