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Sepse e Choque Séptico: Atualizações e Manejo Baseado em Evidências

  • PriMed
  • 8 de fev.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 17 de fev.

A sepse continua a ser um dos principais desafios da medicina moderna. Estima-se que ocorra em 48,9 milhões de casos anualmente, sendo responsável por 11 milhões de mortes em todo o mundo. Nos Estados Unidos, representa mais de um terço dos óbitos hospitalares, com custos superiores a US$ 38 bilhões por ano. Essa condição é definida como uma disfunção orgânica aguda com risco de vida, decorrente de uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção.

 

Epidemiologia Global da Sepse

 

Embora a sepse seja um problema global, sua incidência e desfechos variam entre regiões. A maioria dos casos ocorre em países de baixa e média renda, com os maiores índices em crianças menores de 5 anos e idosos acima de 60 anos. No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, o desafio inclui o manejo de patógenos diversos, incluindo bactérias, fungos e vírus.


Os sítios mais comuns de infecção incluem pulmões (40-60%), abdome (15-30%) e trato geniturinário (15-30%). Infecções bacterianas, particularmente por gram-negativos, permanecem a principal causa, mas o impacto de infecções fúngicas e virais tem crescido, especialmente durante pandemias.

 

Fisiopatogenia da Sepse

 

A fisiopatologia da sepse envolve inflamação excessiva, imunossupressão e lesão microvascular. Entre os mecanismos destacados estão a produção de armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs) e a apoptose acelerada de linfócitos, resultando em disfunção orgânica múltipla. Essas alterações imunológicas complexas dificultam o desenvolvimento de terapias direcionadas, destacando a necessidade de estratégias individualizadas para restaurar a homeostase imunológica.


A fisiopatogenia da sepse é complexa e envolve uma interação multifacetada entre patógenos e o sistema imunológico do hospedeiro. Ela é caracterizada por uma resposta inflamatória exacerbada e, simultaneamente, por imunossupressão, o que contribui para a disfunção orgânica múltipla e alta mortalidade. A compreensão desses mecanismos é essencial para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes.

 

1. Reconhecimento de Patógenos: PAMPs e DAMPs


A sepse é desencadeada pela presença de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs), como lipopolissacarídeos (LPS) de bactérias gram-negativas e ácido lipoteicoico de gram-positivas. Esses PAMPs são reconhecidos por receptores do tipo Toll (TLRs), como o TLR4, que se liga ao LPS, e pelo sistema de reconhecimento imunológico inato.

Além disso, na sepse, ocorre a liberação de padrões moleculares associados a dano (DAMPs), como HMGB1, histonas e DNA mitocondrial, provenientes de células lesionadas. Os DAMPs amplificam a resposta inflamatória ao se ligarem a receptores semelhantes aos TLRs, perpetuando a disfunção orgânica.



2. Ativação da Resposta Inflamatória: Citocinas e Mediadores


A ativação dos TLRs desencadeia cascatas de sinalização intracelular que promovem a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como:

 Fator de necrose tumoral alfa (TNF-α): Induz febre, promove apoptose e aumenta a permeabilidade endotelial.

 Interleucina-1 beta (IL-1β): Amplifica a inflamação e estimula a liberação de mais citocinas.

 Interleucina-6 (IL-6): Tem papel central na resposta de fase aguda.

 Quimiocinas (e.g., IL-8): Atraem neutrófilos para o local da infecção.

Essas citocinas ativam o endotélio vascular, promovem a expressão de moléculas de adesão e aumentam a permeabilidade capilar, levando ao extravasamento de plasma e formação de edema intersticial. A ativação de neutrófilos resulta na liberação de espécies reativas de oxigênio (EROs) e armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs), que causam lesão endotelial e microvascular.

 

3. Disfunção Microvascular e Coagulação


A inflamação excessiva também ativa a coagulação por meio da expressão de fator tecidual, promovendo trombose microvascular. Simultaneamente, ocorre redução da fibrinólise devido ao aumento do inibidor do ativador de plasminogênio (PAI-1). O resultado é a coagulação intravascular disseminada (CID), que contribui para a hipóxia tecidual e falência orgânica.

 

4. Imunossupressão e Esgotamento Imunológico


Embora a fase inicial da sepse seja dominada pela inflamação, muitos pacientes evoluem para um estado de imunossupressão prolongada. Este fenômeno é caracterizado por:

 Apoptose de linfócitos T e B: Reduz a capacidade de resposta adaptativa.

 Expansão de células T reguladoras (Tregs): Supressoras da ativação imunológica.

 Endotoxin Tolerance: Monócitos e macrófagos desenvolvem tolerância ao endotoxina, reduzindo a produção de citocinas inflamatórias.

As células imunológicas frequentemente exibem marcadores de exaustão, como PD-1 e TIM-3, indicando uma resposta ineficaz a novos estímulos infecciosos.

 

5. Resposta Metabólica: Metabolismo Energético e Inflamação


Durante a sepse, as células imunológicas apresentam alterações metabólicas significativas. Em vez de depender da fosforilação oxidativa, muitas células utilizam glicólise aeróbica, um processo menos eficiente que aumenta o consumo de energia. Esse desbalanço metabólico contribui para a disfunção celular e para a imunossupressão.

Além disso, o acúmulo de lactato, devido à hipoperfusão tecidual e metabolismo anaeróbico, não apenas serve como marcador de prognóstico, mas também atua como mediador inflamatório, perpetuando a disfunção endotelial.

 

Excesso de Inflamação

 ↑ Citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-1β, IL-6)

 ↑ NETs, ativação de plaquetas

 ↑ DAMPs e PAMPs

 ↑ Trombogênese

 

Imunossupressão

 ↓ Linfócitos efetores

 ↑ Células Tregs

 Apoptose e tolerância a endotoxinas

 

Disfunção Microvascular

 ↓ Permeabilidade endotelial

 CID

 Hipoperfusão tecidual


paciente sendo atendido por equipe médica
A sepse e o choque séptico estão entre as situações mais graves enfrentadas em pacientes cirúrgicos.

 

Reconhecimento e Diagnóstico

 

O diagnóstico precoce é essencial, mas desafiador, devido à apresentação heterogênea. Alterações como hipotensão, taquipneia e lactato elevado são sinais sugestivos, mas não específicos. A avaliação inicial deve incluir exames laboratoriais para avaliar disfunção orgânica e estudos de imagem para localizar o sítio infeccioso.

 

Princípios do Manejo

 

O manejo eficaz da sepse é centrado em três pilares principais: controle da infecçãocontrole do foco e ressuscitação hemodinâmica.

 

1. Controle da Infecção


O tratamento antimicrobiano empírico deve ser iniciado rapidamente, com base no sítio infeccioso suspeito e no perfil epidemiológico local. Exemplos de esquemas incluem:


 Piperacilina-Tazobactam (4,5 g IV a cada 6 horas) ou Cefepime (2 g IV a cada 8 horas) associados a Vancomicina (15-20 mg/kg IV a cada 12 horas) para cobrir patógenos gram-positivos e gram-negativos.

 Em casos de infecções fúngicas, como candidemia, a Anfotericina B lipossomal(3 mg/kg/dia IV) ou Equinocandinas (e.g., Caspofungina 70 mg no primeiro dia, seguido de 50 mg/dia) são indicadas.

O ajuste de terapia com base em culturas deve ser realizado assim que os patógenos forem identificados.

 

2. Controle do Foco


O controle do foco infeccioso é crítico e, muitas vezes, depende de intervenções cirúrgicas ou procedimentos invasivos. Exemplos incluem:

 Drenagem de abscessos intra-abdominais: Utilizado em condições como apendicite complicada, diverticulite com abscesso ou perfuração de alça intestinal.

 Retirada de dispositivos infectados, como cateteres centrais ou próteses.

 Lavagem cirúrgica e debridamento em casos de peritonite secundária no abdome agudo inflamatório.

 Cirurgia emergencial em casos de peritonite difusas ou abscessos sem possibilidade de drenagem transparietal guiada.

Pacientes politraumatizados, com infecção secundária a contaminação fecal ou lesões penetrantes no abdome, frequentemente necessitam de laparotomia exploradora para evacuação de hematomas ou drenagem de coleções purulentas.



3. Ressuscitação Hemodinâmica


A reposição volêmica com cristaloides balanceados, como solução de Ringer lactato, é essencial para estabilizar o paciente. Recomenda-se:

 30 mL/kg de cristaloide IV administrados inicialmente em bolus, com monitoramento contínuo de perfusão.

 Em casos refratários, vasopressores devem ser iniciados. A Noradrenalina (0,1-0,5 µg/kg/min) é o fármaco de primeira linha. A adição de vasopressina (0,03 U/min) pode ser útil para reduzir a necessidade de catecolaminas.

Pacientes com choque refratário podem se beneficiar de doses baixas de corticosteroides, como Hidrocortisona (200 mg/dia IV em infusão contínua).

 

Recuperação e Complicações a Longo Prazo

 

A sepse está associada a complicações significativas, como comprometimento funcional e cognitivo. Estratégias de cuidados transicionais, incluindo acompanhamento ambulatorial e reabilitação, são fundamentais para melhorar os desfechos a longo prazo.

 

Considerações Finais

 

A sepse é uma condição complexa e devastadora, exigindo um manejo agressivo e individualizado. Os avanços nas estratégias diagnósticas e terapêuticas têm o potencial de transformar o cuidado de pacientes, mas ainda há desafios na implementação dessas intervenções na prática clínica.

 

Referência Bibliográfica

Meyer NJ, Prescott HC. Sepsis and Septic Shock. N Engl J Med. 2024;391(22):2133-46. DOI:10.1056/NEJMra2403213.

 
 
 

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